quarta-feira, junho 22, 2011

O monstro da separação

Antes de escrever esta coluna eu prometi a mim mesmo que veria Blue Valentine, lançado no Brasil com o título besta de Namorados para sempre. Prometi, mas não fiz. Tudo o que li sugere que o filme é um retrato demasiadamente fiel de dois momentos cruciais da relação amorosa, o começo jubiloso e o fim horrendo. Quem viu o filme diz que dói. Eu, que assim como vocês já tive a minha cota de separações, e ainda mais, ainda não reuni coragem para me ver em cena. E talvez não reúna.

Mesmo de longe, Blue Valentine me fez lembrar do monstro que aparece quando as relações começam a acabar. Ele se manifesta por insultos e violência verbal, no início. Indiferença e sarcasmo, depois. É preciso ter atravessado um túnel desses para perceber que as brigas, ainda que assustadoras, representam uma tentativa de aproximação. Elas são o derradeiro gesto de carinho. Os gritos parecem uma forma exasperada de perguntar, afinal, o que aconteceu com o amor que havia aqui? A indiferença entra em cena quando ninguém mais está interessado na resposta.

De um jeito ou de outro, o monstro está lá.

Se ele grita e quebra pratos, ou cala, ainda é ele, cascudo e áspero por fora, uma bola sangrenta e dolorosa por dentro. O monstro da separação se parece imensamente com a pessoa que a gente amava, mas, ao contrário dela, parece ter vindo ao mundo com a missão explícita de nos fazer sofrer, de forma cruel e variada. A pior delas é a confusão. Às vezes, o monstro sorri de uma maneira tão parecida ao antigo objeto do nosso amor que é impossível não se derreter por ele. Mas, um segundo depois, o monstro faz um comentário gelado que deixa clara a sua natureza de réptil. Nossos sentimentos oscilam como pêndulo entre um momento e outro, e a vida parece não ser mais do que um poço escuro repleto de indecisão.

Muitos dirão que eu exagero – e é verdade. Mas o fato é que nunca vivi uma separação inteiramente civilizada. Temo que elas não existam. Na minha experiência, em algum momento o monstro sempre dá as caras. Mesmo nas relações mais doces ele aparece – ainda que seja no finalzinho, ou depois.

Lembro de me separar de uma mulher tão querida, com quem eu tinha uma relação de tanto carinho, que nos era impossível brigar de verdade. Quando ela se punha a berrar comigo eu achava a cena cômica, e ria. Mesmo assim teve barraco, semanas depois da separação. Eu soube que ela estava saindo com um sujeito qualquer e achei que tinha o direito de receber esclarecimentos. Liguei, cobrei e ela – com toda razão – disse que aquilo não era da minha conta e mandou que eu me catasse. Foi aí que o monstro pegou o telefone do meu lado e entrou na conversa. Lembro perfeitamente de algumas coisas que ele disse, e da frieza torpe com que disse, mas tenho vergonha de reproduzir. Do lado de lá, claro, apareceu outro monstro, de cílios postiços e batom vermelho, que gritou ao telefone coisas terríveis, tiradas do baú do ressentimento. Não foi nada bom.

Uma das características mais surpreendentes do monstro da separação é que gente nem imagina quando ele veio ao mundo. Lembramos perfeitamente do dia, da hora e talvez mesmo do exato segundo em que o amor começou. Ou, pelo menos, da sensação de estar diante da possibilidade do amor. Mas temos uma dificuldade enorme em perceber o momento em que a casa começa a cair. Exceto nos romances e nos filmes, que tentam explicar o inexplicável, ninguém acumula pistas para esse tipo de desfecho. Ninguém diz, por exemplo: aquela manhã, quando eu comentei que iria voltar tarde para casa, e ela sequer me ouviu, percebi que as coisas estavam acabando. Ou então: trocamos um olhar no meio da festa e, repentinamente, ficou claro que a cumplicidade que houvera entre nós havia desaparecido.

Na vida real não é assim. Pela boa razão de que não queremos que seja. A maioria de nós gosta de ser parte de um casal, de um projeto, de um todo. Gostamos de ser amados e de amar. Assim, não nos interessa ficar espreitando o futuro na borra do café de todos os dias. Tocamos o barco, como se diz. Seguimos adiante, otimistas até prova em contrário. Quando a gente se dá conta, o mal-estar já está batendo nas coxas, como uma água suja e fria. Esse é o ambiente em que os monstros vicejam.

É evidente que ninguém chega a isso de uma hora para outra. Monstros não se improvisam. Nem se manifestam em relações que não tiveram tempo de engendrá-los. Não adianta namorar superficialmente por três meses e esperar por um sáurio escamoso de três metros na despedida. Ela não vai aparecer. Monstros são filhos bastardos da paixão e do comprometimento. São alimentados, paradoxalmente, por desejo, admiração e compromisso. Além de tempo, claro. Gente que não é capaz de amar nunca vai ter seu monstro. Pode ver o dos outros, daqueles que são capazes de amar sozinhos, mas esses não são realmente assustadores. Os monstros que nos metem medo têm as feições e os gestos das pessoas que nós amamos. Ou as nossas.

Dito isso, se eu fosse dirigir um filme de amor, tentaria evitar esse trecho final, como o cinema antigo fazia nas cenas de sexo. Depois do beijo, descia a cortina. Quem não sabia o que vinha depois não tinha idade para isso e não deveria realmente ver. Quem já sabia não precisava de explicações tão diretas. O voyerismo erótico e emocional – esse que nos dá o direito de espiar até os últimos detalhes da vida dos outros, real ou imaginária – é uma invenção relativamente recente. Se eu fosse dirigir um filme de amor, portanto, apelaria para o pudor. E acho que seria um sucesso. Aposto que o mundo está cheio de gente como eu, cansada de ver de perto o monstro da separação.

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI241539-15230,00-O+MONSTRO+DA+SEPARACAO.html

domingo, julho 02, 2006

Futebol é o espelho do Brasil


Crônica sobre uma seleção

Honestamente em minha visão a seleção Brasileira foi um grande sucesso. Digo isso pois na minha opinião uma seleção deve espelhar literalmente o espírito do pais. A personalidade da Nação inteira. Na forma como vejo, o desempenho da seleção brasileira foi impecável, pois eles mostraram ao mundo exatamente a nossa Nação.

Exemplificando:
Nossa seleção apresentava os melhores talentos individuais inquestionáveis da copa, mas que não se falavam, não se comunicavam, não operavam em conjunto, apenas pensavam em seus interesses pessoais exclusivos.
Nosso país apresenta recursos naturais insuperáveis e inquestionáveis, mas nossos cidadãos não se falam, não se comunicam, não se ajudam e não operam em time.
Era sabido em nossa seleção a presença de jogadores velhos, jogadores sem ritmo de jogo, com forma de jogar ultrapassada. Mas que apesar disso continuavam no time. Pior ... ninguém falava nada contra eles.
É sabido em nosso país políticos velhos, egoístas, com ideologias velhas e atrasadas e que nunca funcionaram em lugar nenhum do mundo... e eles continuam no poder.... Pior... ninguém fala nada deles...

Em nossa seleção era visível a falta de coragem, garra, a falta de vontade de vencer, a falta de alguém que assumisse: "dá aqui que eu vou lá e faço!" Todos jogavam como se soubessem que iriam ganhar. Todos tinham a impressão que eram melhores do que realmente eram.
No Brasil, é impressionante como os brasileiros se julgam melhores do que realmente são. Acham que fazem o melhor, acham que são os mais espertos... e acham que os outros são otários. (quem já viu Brasileiros em viagens internacionais sabe bem do que estou falando).
A seleção se mostrava apática, desmotivada, sem coração... E não é exatamente assim que o Brasil está hoje?

Na seleção não se via dedicação, trabalho serio, disciplina, gana de vencer. Se via festa, folia e falta de determinação. Exemplo clássico nossa chegada no estádio, com uma bela batucada dentro do ônibus.
No Brasil, não se vê as pessoas realmente ... eu digo realmente querendo trabalhar, produzir, executar, desenvolver. Quem pensa assim é chamado de otário, trouxa. Nosso pais não venera o trabalho serio. Nosso país se acha melhor do que é.

Alem da apatia na nossa seleção e no nosso pais, pode-se traçar outro paralelo interessante.
A seleção tinha os melhores jogadores, mas não tinha um LÍDER. Não tinha alguém coordenando e orientando os esforços.
Dessa maneira, ela gerava enorme energia e poucos resultados efetivos.
Nosso país é exatamente assim. Não temos um Líder... não temos alguém que coordene, que oriente, que tenha uma visão de conjunto uma visão de pais ... O Lula e o Parreira são idênticos em liderança. O Time dá 1X0 e o Parreira diz: "é goleada".
O Brasil tem a segunda menor taxa de crescimento do mundo inteiro, só perdendo pro Haiti e o Lula diz :"Não vamos perder o bonde do crescimento!".
Patético.

Faltou alguém dentro do time gritando... faltou vontade de ver sangue... faltou vontade de melhorar. Tudo isso vemos no nosso Pais Hoje também.
Faltou alguém dizer: "Chega! Vai pra casa Roberto Carlos! Vai pra Casa Cafu! Vai pra casa Ronaldo!"
Faltou alguém dizer: "Vai pra casa Sarney! Nunca mais... Vai Pra casa ACM!! Nunca mais... Vai pra Casa LULA!! NUNCA MAIS!... Vai Pra CASA Olívio !! Nunca mais..! "
Ninguém disse isso na copa..Ninguém disse isso no Brasil... E eles seguem.... Seguem no time, com as mesmas desculpas...
Seguem no poder com as mesmas desculpas...
Ninguém fala nada... Assim como no jogo ontem que nenhum jogador brasileiro gritava com os companheiros.. Aqui no Brasil ninguém grita com os outros cidadãos...: "Chega!!! Não agüento mais...vamos mudar essa idiota política!! Vamos mudar esse país!"
Nada...Só silencio, apatia... Reeleição da mesma corja, do mesmo time, do mesmo técnico.
Não poderíamos ter uma seleção que representasse melhor o nosso pais do que essa!
Um espelho perfeito de nossa Sociedade nos dias atuais! Como é perfeito o futebol, nunca tinha reparado tanto isso.

Em tempo, alguns jogadores vibraram... Alguns jogadores buscaram e lutaram. Alguns poucos. Estes foram tão sobrecarregados, tão penalizados que quase se mataram em campo ( Ex: Lucio, Zé Roberto, Juan, Dida), mas não foram suficientes para vencer amaioria ociosa e desinteressada do resto do time o mesmo ocorre em nosso país alguns poucos lutam, se esforçam e batalham desesperadamente... Mas não conseguem respirar pelos altos impostos, pelas travas burocráticas do país pelo marasmo em que está atirado em berço esplendido essa nação. Tentar produzir no Brasil é um esforço hercúleo. É um desespero. Gerar um emprego nesse pais é um peso sobre humano. Então no Brasil é assim... Um ou dois se matam para compensar 10-12 que não estão nem aí!
A maior parte do time parecia dizer : "Eu não tô nem aí!!!" Quantos Brasileiros dizem isso todos os dias: "tão roubando mas eu não Tô nem aí!" ou "Ta sujo mas eu não to nem aí!" ou " a coisa não anda mas eu não to nem aí!"
Fazer uma jogada articulada na seleção com 4 jogadores apenas interessados era impossível. A zaga trabalhou como nunca vi em toda minha vida pois somente eles trabalhavam...
Por fim...não poderíamos ter um espelho melhor do que esta seleção para nosso país. Foi um Sucesso!
Parabéns ao selecionado por mostrar ao mundo uma sucinta e breve visão do Brasil!

Alexandre Wolwa

quarta-feira, junho 07, 2006

Paris by night

quarta-feira, maio 10, 2006

A passista do agouro

Jorge Bastos Moreno

-- Mano véio, aqui você só não vai ver é boi voar! -- foi o que ouvi no primeiro
dia em que cheguei ao Congresso, como repórter, em 1976, do então deputado
paraibano Ernani Sátyro. Surdo, chamava todo mundo de "mano véio".
E eu vi muita coisa.

Vi o Congresso ser fechado em 1 977. Vi parlamentares arrancados da tribuna
pelas cassações da ditadura. Entre eles, Alencar Furtado, aquele que disse
que sua luta era para que não houvesse lares em prantos: "filhos órfãos de
pais vivos, ou mortos, talvez, quem sabe; órfãos do talvez ou do quem sabe";
viúvas de maridos mortos ou vivos, quem sabe, talvez; viúvas do quem sabe
ou do talvez?

Vi Ulysses Guimarães dizer: "Tenho ódio à ditadura; ódio e nojo".

Vi Tancredo chorar por JK.

Vi mães, viúvas e órfãos com cartazes de seus mortos e exilados clamarem
por anistia.

Vi o doido manso Teotônio Vilela se rebelar contra o regime.

Vi a eleição de Tancredo, vi a Constituinte.

Vi momentos de tristezas e alegrias.

Nas tristezas, ouvia o Hino Nacional cantado com vozes enlutadas, sempre
seguido nessas horas do coro "a luta continua". A alegria ecoava em palmas
e papel picados.

Mas nesta madrugada vi uma cena que nunca vou esquecer: a deputada Ângela
Guadagnin (PT-SP) dançando, sambando como passista do agouro ao ver que o
os votos apurados já davam pra salvar de cassação o deputado João Magno (PT-MG),
um dos mensaleiros da Câmara.

Nem os canhões, fuzis e metralhadoras que tentaram desmoralizar pela força
o Congresso superariam o escárnio da deputada. Longe do "Necrológio dos desiludidos
do amor", onde as amadas dançavam "um samba bravo, violento, sobre as tumbas
deles", a dança da deputada é o mais imoral dos emblemas da degradação da
política brasileira.

Talvez a perplexidade foi que impediu o presidente da Câmara, Aldo Rebelo,
de exigir o devido respeito da deputada em pleno velório da Casa.

Clique abaixo para ver "A passista do agouro"
http://www.youtube.com/results?search=%22angela+guadagnin%22&search_type=search_videos

O Zé me disse

Joaquim Ferreira dos Santos
21.11.2005

Borogodó pode ser isso que o Houaiss está dizendo na página 492 do dicionário, um atrativo pessoal irresistível que faz com que o sujeito seu proprietário fique sempre rodeado de mulheres - mas não só. Mulheres também têm, não é um patrimônio masculino. Houaiss, cabra macho, devia achar tão evidentes os borogodós delas, aqueles ós todos, estupefações físicas tão visíveis espalhadas pelos recantos redondos de seus mapas, que ele resolveu deixá-las fora de um quesito que é pura abstração. Houaiss sabia. Borogodó não é a cintura desenhada da Gisele Bündchen. Aquilo é a evidência real de Deus. Borogodó você cria, sugere, em si mesmo. Está no ar. É o algo mais. É o ó que falta na natureza física da pessoa, e ela provém com um jeito de corpo, um arrebol que se cria passando a mão nos cabelos ou sorrindo, boca fechada ao estilo das ostras, insinuando que lá dentro se esconde - quer ver? - uma pérola.

O borogodó pode estar na maneira de falar, numa felicidade sugerida no canto da boca, o atrativo irresistível que a menina-dos-olhos emprestou aos seus - e outras poesias não concretas. É o etéreo da personalidade. O jeito da Marília Gabriela pontuar suas frases com um “escuta só”. É o que não se desenha nem cabe na foto.

A primeira vez que eu ouvi a palavra “borogodó”, ela estava sendo dita pelo cara mais feio do mundo, o nordestino Zé Trindade. Ele conquistava todas as mulheres das chanchadas do Herbert Richers nos anos 50. Quando os galãs desprezados perguntavam como ele conseguia, Zé cofiava o bigodinho fino, uma coisa pavorosa, virava-se para a câmera e, olho no olho das platéias que em seguida uivariam de tanto rir, dizia que fazia sucesso com as boazudas por ter bo-ro-go-dó. Soletrava solenemente a palavra como se beijasse cada um de seus ós, no agradecimento sincero por ter entendido que ali estava a chave para a felicidade dos desvalidos da beleza física evidente. Talvez fosse o jeito engraçado dele chegar junto. A cara de pau. Não sei. Eu percebia, elas então nem se fala. Caíam de quatro, nem aí para os pudores moralistas da época. O feioso Zé Trindade tinha borogodó.

Eu li o livro de memórias de Danuza Leão, lançado semana passada, e quando ela narra o casamento com o compositor Antônio Maria, um dos seus três maridos, confessa: “Maria não correspondia a nenhuma das minhas fantasias em relação aos homens”. A princípio ele não podia ser o objeto de desejo de ninguém. Antônio Maria era feio, gordo, calçava sapato de padre antigo, ia à praia de tamanco português e sacola de feira — era, enfim, o oposto da elegante Danuza, mulher do mundo, maneca de Jacques Fath em Paris. Um Shrek antes do tempo. Danuza não diz desse jeito, porque tem um vocabulário fino, mas ela foi fisgada pelo borogodó de Maria. “Ele tinha uma personalidade exuberante”, relata.

A vida é muito mais fácil quando você não precisa de borogodó nenhum. Deus te deu um par de olhos incríveis como os da Ana Paula Arósio, músculos poderosos como os do Zulu. Basta você apresentar tais armas para que o mundo se ponha aos seus pés e queira compartilhar. Com Antônio Maria não era assim. Já que ninguém percebia, ele precisava - desculpem a expressão - botar o borogodó para fora.

Maria tinha um amigo, Luís Carlos Santos, que viria a ser ministro da Coordenação Política do governo Fernando Henrique Cardoso. Era um cara classicamente bonito, o nariz com o desenho certo, a boca com aquela polpa na medida para o sonho de uma mordida. Maria invejava-o com carinho, e dizia por quê: “O Luís Carlos come a mulher com a cara. Ele mostra a cara e elas topam imediatamente. Comigo é o contrário. Eu, para uma mulher se interessar por mim, preciso de três horas de conversa até ela esquecer da minha cara”.

As três horas de conversa eram o borogodó de Antônio Maria.

Desde que, no mês passado, lancei um livro com a tal palavra no título, não me param mais na Rio Branco para perguntar, ei, moço, como se chega no Beco dos Barbeiros. Nas festas ninguém chega, ei, cara, se eu tenho detalhes escandalosos da paixão mal resolvida - “um jornalista, e não sabe que rola?!” - nessa briga do Palocci com a Dilma. Nada disso. O povo nas ruas quer saber que diabo é esse tal de borogodó. Como se pratica, onde se perdeu, se foi culpa do JK ou mais uma rata do Lula, se tem a ver com a gororoba do murucututu ou se na loja que eu comprei tinha para homem.

Se o Houaiss não sabe direito, se o Zé Trindade que inventou a coisa já morreu, eu fico à vontade para professorar minha ignorância e dizer de antemão, de ante pé, na ante-sala de quem se dispõe a entreouvir. Borogodó pode ser mais do que um atrativo que alguém inventa ou sublinha para se tornar especial já que Deus, na hora de transformar o rascunho em arte-final, deixou o teu projeto para lá e foi caprichar no desenho do Gianecchini que ele não é bobo, também quer sair na capa da “Caras” nem que seja para ganhar aquele crédito pequenino na página 44: produção - Ele.

Borogodó, já que a língua é o uso que a gente faz dela, pode ser a própria felicidade de seu portador evocar, com uma sonoridade antiga, o tudo de bom de que falam as adolescentes modernas. É o “já é”, o “é nós” dos funkeiros. Pode ser a “utopia” dos sociólogos. Uma palavra que vem de um tempo de evidente satisfação nacional - JK tinha, Maria Ester Bueno mais que o Guga - e que agora se escondeu num momento em que a auto-estima do país, o humor do Rio, tudo anda lá embaixo.

A grande gincana cívica é procurar onde o charme, a esperança, a beleza, o it, o sonho, a alegria do Zé Trindade e aquele certo “quê” de ser brasileiro, onde tudo isso se meteu. Dar uma busca atrás do perdido. Abrir o acento agudo na cara da tristeza e não deixar que o país do borogodó vire uma nação borocoxô.

EU NÃO GOSTAVA DO PAPA JOÃO PAULO II

Escrevo enquanto vejo a morte do papa na TV. E me espanto com a imensa emoção mundial. Espanto-me também comigo mesmo: "Como eu estou sozinho!" - pensei.

Percebi que tinha de saber mais sobre mim, eu, sozinho, sem fé nenhuma, no meio deste oceano de pessoas rezando no Ocidente e Oriente. Meu pai, engenheiro e militar, me passou dois ensinamentos: ele era ateu e torcia pelo América Futebol Clube. Claro que segui seus passos. Fui América até os 12 anos, quando "virei casaca" para o Flamengo (mas até hoje tenho saudade da camisa vermelha, garibaldina, do time de João Cabral e Lamartine Babo), e parei de acreditar em Deus.

Sei que "de mortuis nihil nisi bonum" ("não se fala mal de morto"), mas devo confessar que nunca gostei desse papa. Por quê? Não sei. É que sempre achei, nos meus traumas juvenis, que papa era uma coisa meio inútil, pois só dava opiniões genéricas sobre a insânia do mundo, condenando a "maldade" e pedindo uma "paz" impossível, no meio da sujeira política.

Quando João Paulo entrou, eu era jovem e implicava com tudo. Eu achava vigarice aquele negócio de fingir que ele falava todas as línguas. Que papo era esse do papa? Lendo frases escritas em partituras fonéticas... Quando ele começou a beijar o chão dos países visitados, impliquei mais ainda. Que demagogia! - reinando na corte do Vaticano e bancando o humilde...

Um dia, o papa foi alvejado no meio da Praça de São Pedro, por aquele maluco islâmico, prenúncio dos tempos atuais. Eu tenho a teoria de que aquele tiro, aquela bala terrorista despertou-o para a realidade do mundo. E o papa sentiu no corpo a desgraça política do tempo. Acho que a bala mudou o papa. Mas, fiquei irritadíssimo quando ele, depois de curado, foi à prisão "perdoar" o cara que quis matá-lo. Não gostei de sua "infinita bondade" com um canalha boçal. Achei falso seu perdão que, na verdade, humilhava o terrorista babaca, como uma vingança doce.

E fui por aí, observando esse papa sem muita atenção. É tão fácil desprezar alguém, ideologicamente... Quando vi que ele era "reacionário" em questões como camisinha, pílula e contra os arroubos da Igreja da Libertação, aí não pensei mais nele... Tive apenas uma admiração passageira por sua adesão ao Solidariedade do Walesa, mas, como bom "materialista", desvalorizei o movimento polonês como "idealista", com um Walesa meio "pelego". E o tempo passou.

Depois da euforia inicial dos anos 90, vi que aquela esperança de entendimento político no mundo, capitaneado pelo Gorbachev, fracassaria. Entendi isso quando vi o papai Bush falando no Kremlin, humilhando o Gorba, considerando-se "vitorioso", prenunciando as nuvens negras de hoje com seu filhinho no poder. Senti que o sonho de entendimento socialismo-capitalismo ia ser apenas o triunfo triste dos neoconservadores. O mundo foi piorando e o papa viajando, beijando pés, cantando com Roberto Carlos no Rio. Uma vez, ele declarou: "A Igreja Católica não é uma democracia." Fiquei horrorizado naquela época liberalizante e não liguei mais para o papa "de direita".

Depois, o papa ficou doente, há dez anos. E eu olhava cruelmente seus tremores, sua corcova crescente e, sem compaixão nenhuma, pensava que o pontífice não queria "largar o osso" e ria, como um anti-Cristo.

Até que, nos últimos dias, João Paulo II chegou à janela do Vaticano, tentou falar... e num esgar dolorido, trágico, foi fotografado em close, com a boca aberta, desesperado.

Essa foto é um marco, um símbolo forte, quase como as torres caindo em NY. Parece um prenúncio do Juízo Final, um rosto do Apocalipse, a cara de nossa época. É aterrorizante ver o desespero do homem de Deus, do Infalível, do embaixador de Cristo. Naquele momento, Deus virou homem. E, subitamente, entendi alguma coisa maior que sempre me escapara: aquele rosto retorcido era o choro de uma criança, um rosto infantil em prantos! O papa tinha voltado ao seu nascimento e sua vida se fechava. Ali estava o menino pobre, ex-ator, ex-operário, ali estavam as vítimas da guerra, os atacados pelo terror, ali estava sua imensa solidão igual à nossa. Então, ele morreu. E ontem, vendo os milhões chorando pelo mundo, vendo a praça cheia, entendi de repente sua obra, sua imensa importância. Vendo a cobertura da Globo, montando sua vida inteira, seus milhões de quilômetros viajados, da África às favelas do Nordeste, entendi o papa. Emocionado, senti minha intensíssima solidão de ateu. Eu estava fora daquelas multidões imensas, eu não tinha nem a velha ideologia esfacelada, nem uma religião para crer, eu era um filho abandonado do racionalismo francês, eu era um órfão de pai e mãe. Aí, quem tremeu fui eu, com olhos cheios d'água. E vi que Karol Wojtyla, tachado superficialmente de "conservador", tinha sido muito mais que isso. Ele tinha batido em dois cravos: satisfez a reacionaríssima Cúria Romana implacável e cortesã e, além disso, botou o pé no mundo, fazendo o que italiano nenhum faria: rezar missa para negões na África e no Nordeste, levando seu corpo vivo como símbolo de uma espiritualidade perdida. O conjunto de sua obra foi muito além de ser contra ou a favor da camisinha. Papa não é para ficar discutindo questões episódicas. É muito mais que isso. Visitou o Chile de Pinochet e o Iraque de Saddam e, ao contrário de ser uma "adesão alienada", foi uma crítica muito mais alta, mostrando-se acima de sórdidas políticas seculares, levando consigo o Espírito, a idéia de Transcendência acima do mercantilismo e de ditaduras. E foi tão "moderno" que usou a "mídia" sim, muito bem, como Madonna ou Pelé.

E nisso, criticou a Cúria por tabela, pois nenhum cardeal sairia do conforto dos palácios para beijar pé de mendigo na América Latina. João Paulo cumpriu seu destino de filósofo acima do mundo, que tanto precisa de grandeza e solidariedade.

Sou ateu, sozinho, condenado a não ter fé, mas vi que se há alguma coisa de que precisamos hoje é de uma nova ética, de um pensamento transcendental, de uma espiritualidade perdida. João Paulo na verdade deu um show de bola.

Arnaldo Jabor

Se eu fosse ditador...

Ponto de vista: Claudio de Moura Castro
Se eu fosse ditador...

"O assunto pode ser visto de uma forma direta e simples, lembrando o ditado oriental 'Olho por olho, dente por dente' "

Tenho às vezes sonhos de virar ditador. Não um ditadorzinho qualquer, com medo de mandar e com poderes cerceados pelas forças ocultas. Mas um verdadeiro ditador, capaz de penetrar nas entranhas da sociedade e impor minha vontade. Segue uma lista de minhas primeiras providências, para quando se materializar meu sonho:

• Em solenidades oficiais, seria cobrada das autoridades uma taxa por minuto de discurso proferido. O tempo gasto nomeando as autoridades presentes seria cobrado em dobro. Só o primeiro minuto seria de graça.

• Os chefes teriam de entrar nas filas de sua repartição pública e ser atendidos por seus funcionários. Ou mandariam mãe e cônjuge em seu lugar. Os que exigem papéis inúteis teriam de ficar ajoelhados em grãos de milho.

• Autoridades educacionais teriam de matricular os filhos na escola sob sua responsabilidade. As de saúde teriam de se tratar na instituição que dirigem.

• Os reitores teriam de fazer os vestibulares de sua instituição, e os resultados seriam publicados nos jornais.

• O salário dos delegados de polícia seria ajustado de acordo com o número de crimes resolvidos e criminosos condenados. O da polícia federal, pelo tamanho das filas nos aeroportos. Quanto maior o tempo de espera, menor o salário.

• O salário dos funcionários públicos seria atrasado pela mesma medida do tempo de espera para despachar os processos. O mesmo se daria com os juízes.

• Todo presidente de empresa industrial teria de abrir a embalagem de seus produtos na frente das câmeras de TV. Por exemplo, mostrando como se abrem, sem melar as mãos, as geléias e as manteigas em caixinha.

• Igualmente, teriam de instalar os produtos que vendem e demonstrar como se usam os manuais de instrução, em particular os dos videocassetes.

• O valor da consulta médica ou odontológica seria reduzido proporcionalmente ao tempo de espera além da hora marcada. Os reincidentes seriam punidos com exercícios de caligrafia. Como compensação, a consulta seria mais cara quando o cliente se atrasasse.

• Os empresários da construção civil teriam de consertar pessoalmente as lajes que vazam, os encanamentos que infiltram e dormir em quartos de empregada que mais parecem armários.

• E haveria multa, cujo valor seria baseado no somatório do salário-hora de todos os que esperaram, para quem chegasse atrasado a reuniões.

• Os consertadores dos mais diversos aparelhos, impenitentes descumpridores de promessas, teriam transponders implantados no corpo e seriam rastreados por satélite.

• Os donos de hotel seriam chicoteados pela manhã se não respondessem a uma prova cujas respostas estariam em uma apostila com letra pequena, para ser lida à noite, nos quartos mal iluminados de seus hotéis.

Os exemplos estão no limite entre o sério e a brincadeira. O assunto pode ser visto de forma direta e simples, lembrando o ditado oriental "Olho por olho, dente por dente". Quem atrapalha merece ser atrapalhado.

Mas podemos teorizar com mais elegância. Em uma economia de mercado que funciona bem, os incentivos monetários premiam quem oferece bons serviços e penalizam ou multam quem atrapalha, atrasa ou deixa de prestar o serviço devido. No caso mais trivial, o produto ruim não vende. É essa "mão invisível" que lubrifica bilhões de relacionamentos e transações entre pessoas e empresas. Nos exemplos citados, a mão invisível não deu conta do recado. Os médicos não são punidos pelos atrasos. Não acontece nada quando a laje vaza. No caso do serviço público, as penalidades só existem para os clientes. Faz parte da arte de governar transformar em custo ou preço o prejuízo ou a inconveniência infligidos a outrem, penalizando ou atrapalhando quem atrapalha ou sonega serviços.

Pepe Figueres, depois de ter sido presidente da Costa Rica por duas vezes, candidatou-se a ditador nas eleições, com mandato fixo. Queixava-se de que na democracia não conseguiu eliminar a burocracia. Aguardo os votos de todos os cidadãos brasileiros para ser eleito ditador.

Revista Veja Edição 1871 . 15 de setembro de 2004

Promessas Matrimoniais(Mário Quintana)

Em maio de 98, escrevi um texto em que afirmava que achava bonito o ritual do casamento na igreja , com seus vestidos brancos e tapetes vermelhos , mas que a única coisa que me desagradava era o sermão do padre :

"Promete ser fiel na alegria e na tristeza , na saúde e na doença , amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?”

Acho simplista e um pouco fora da realidade .

Dou aqui novas sugestões de sermões :

Promete não deixar a paixão fazer de você uma pessoa controladora, e sim respeitar a individualidade do seu amado , lembrando sempre que ele não pertence a você e que está ao seu lado por livre e espontânea vontade ?

Promete saber ser amiga (o) e ser amante , sabendo exatamente quando devem entrar em cena uma e outra , sem que isso lhe transforme numa pessoa de dupla identidade ou numa pessoa menos romântica?

Promete fazer da passagem dos anos uma via de amadurecimento e não uma via de cobranças por sonhos idealizados que não chegaram a se concretizar ?

Promete sentir prazer de estar com a pessoa que você escolheu e ser feliz ao lado dela pelo simples fato de ela ser a pessoa que melhor conhece você e portanto a mais bem preparada para lhe ajudar , assim como você a ela ?

Promete se deixar conhecer ?

Promete que seguirá sendo uma pessoa gentil , carinhosa e educada, que não usará a rotina como desculpa para sua falta de humor ?

Promete que fará sexo sem pudores , que fará filhos por amor e por vontade , e não porque é o que esperam de você , e que os educará para serem independentes e bem informados sobre a realidade que os aguarda?

Promete que não falará mal da pessoa com quem casou só para arrancar risadas dos outros ?

Promete que a palavra liberdade seguirá tendo a mesma importância que sempre teve na sua vida , que você saberá responsabilizar-se por si mesmo sem ficar escravizado pelo outro e que saberá lidar com sua própria solidão , que casamento algum elimina?

Promete que será tão você mesmo quanto era minutos antes de entrar na igreja ?

Sendo assim , declaro-os muito mais que marido e mulher :

declaro-os maduros .

LENDAS SOBRE A ORIGEM DA MULHER

Existem várias lendas sobre a origem da Mulher.

Uma diz que Deus pôs o primeiro homem a dormir, inaugurando assim a anestesia geral, tirou uma de suas costelas e com ela fez a primeira mulher.

E que a primeira provação de Eva foi cuidar de Adão e agüentar o seu mau humor enquanto ele convalescia da operação.

Uma variante desta lenda diz que Deus, com seu prazo para a Criação estourado, fez o homem às pressas, pensando "Depois eu melhoro", e mais tarde, com o tempo, fez um homem mais bem-acabado, que chamou Mulher, que é "melhor" em aramaico.

Outra lenda diz que Deus fez a mulher primeiro, e caprichou nas suas formas, e aparou aqui e tirou dali, e com o que sobrou fez o homem só para não jogar barro fora.

Em certas tribos nômades do Meio Oriente ainda se acredita que a mulher foi originariamente, um camelo, que na ânsia de servir seu mestre de todas as maneiras foi se transformando até adquirir sua forma atual.

No Extremo Oriente existe a lenda de que as mulheres caem do céu, já de kimono.

E em certas partes do Ocidente persiste a crença de que mulher se compra através dos classificados, podendo-se escolher a idade, cor da pele e tipo de massagem.

Todas estas lendas, claro, têm pouco a ver com a verdade científica.

Hoje se sabe que o Homem é o produto de um processo evolutivo que começou com a primeira ameba a sair do mar primevo, e é descendente direto de uma linha específica de primatas, tendo passado por várias fases ate atingir o seu estágio atual - e aí encontrar a Mulher, que ninguém ainda sabe de onde veio.

É certamente ridículo pensar que as mulheres também descendem de macacos.

A minha mãe,não!
Mas de onde veio a primeira mulher?

Inclino-me para a tese da origem extraterrena. A mulher viria (isto é pura especulação, claro) de outro planeta.

Venho observando-as durante anos - inclusive casei com uma, para poder estudá-las mais de perto - e julgo ter colecionado provas irrefutáveis de que elas não são deste mundo. Observei que elas não têm os mesmos instintos que nós ,e volta e meia são surpreendidas em devaneio, como que captando ordens de outra galáxia, embora disfarcem e digam que só estavam pensando no jantar.

Têm uma lógica completamente diferente da nossa.

Ultimamente têm tentado dissimular sua peculiaridade, assumindo atitudes masculinas e fazendo coisas - como dirigir grandes empresas e xingar a mãe do motorista ao lado
- impensáveis há alguns anos, o que só aumenta a suspeita de que se trata de uma estratégia para camuflar nossas diferenças, que estavam começando a dar na vista.

Quando comentamos o fato, nos acusam de ser machistas, presos a preconceitos e incapazes de reconhecer seus direitos, ou então roçam a nossa nuca com o nariz, dizendo coisas como "ioink, ioink" que nos deixam arrepiados e sem argumentos.

Claramente combinaram isto. Estão sempre combinando maneiras novas de impedir que se descubra que são alienígenas e têm desígnios próprios para a nossa terra. É o que fazem quando vão, todas juntas, ao banheiro, sabendo que não podemos ir atrás para ouvir.

Muitas vezes, mesmo na nossa presença, falam uma linguagem incompreensível que só elas entendem, obviamente um código para transmitir instruções do Planeta Mãe.

E têm seus golpes baixos. Seus truques covardes. Seus olhos laser, claros ou profundamente escuros, suas bocas.

Algumas, meu Deus, até sardas no nariz. Seus seios, aqueles mísseis inteligentes. Aquela curva suave da coxa quando está chegando no quadril, e a Convenção de Genebra não vê isso!

E as armas químicas - perfumes, loções, cremes. São de uma civilização superior, o que podem nossos tacapes contra os seus exércitos de encantos?

Breve dominarão o mundo. Breve saberemos o que elas querem.

Se depois de sair este artigo eu for encontrado morto com sinais de ter sido carinhosamente asfixiado, com um sorriso, minha tese está certa."

(Luís Fernando Veríssimo)

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Palavrões são Importantes

PALAVRÕES TAMBÉM SÃO IMPORTANTES
(Luís Fernando Veríssimo)

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos.
É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.

Sem que isso signifique a "vulgarização" do idioma, mas apenas sua maior aproximação com a gente simples das ruas e dos escritórios, seus sentimentos, suas emoções, seu jeito, sua índole.

"Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que "Pra caralho"? "Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via- Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?

No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem fodendo!". O "Não, não e não!", assim como o "Absolutamente Não" já soam sem nenhuma credibilidade.
O "Nem fodendo" é irretorquível, e liquida o assunto.Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida.
Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo "Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!". O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Caetano Veloso.

Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente às situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional.
Como comentar a gravata daquele chefe idiota senão com um "é PhD porra nenhuma!", ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!".
O "porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta-que-pariu!", ou seu correlato Puta-que-o-pariu!", falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba. Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no meio do seu cu!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável! , se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no meio do seu cu!".
Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais avassaladora ainda: "Fodeu de vez!". Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão,inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa.
Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de vez!".
Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala.
Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O "foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta."Não quer sair comigo? Então foda-se!". "Vai querer decidir essa merda sozinho (a) mesmo? Então foda- se!". O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal.

Liberdade, igualdade, fraternidade e Foda-se! Para todos nós!

domingo, setembro 18, 2005

Best Out of Office Auto Replies

Best Out of Office Auto Replies

1. I am currently out at a job interview and will reply to you if I fail to get the position. Be prepared for my mood.

2. You are receiving this automatic notification because I am out of the office. If I was in, chances are you wouldn't have received anything at all.

3. I will be unable to delete all the unread, worthless emails you send me until I return from holiday on 4 April. Please be patient and your mail will be deleted in the order it was received.

4. Thank you for your email. Your credit card has been charged £5.99 for the first ten words and £1.99 for each additional word in your message.

5. The e-mail server is unable to verify your server connection and is unable to deliver this message. Please restart your computer and try sending again.'(The beauty of this is that when you return, you can see how many in-duh-viduals did this over and over).

6. Thank you for your message, which has been added to a queuing system..You are currently in 352nd place, and can expect to receive a reply in approximately 19 weeks.

7. I've run away to join a different circus.

AND, FINALLY, THIS ONE TAKES THE CAKE:
8. I will be out of the office for the next 2 weeks for medical reasons..When I return, please refer to me as ' Margaret ' instead of 'Steve'

terça-feira, fevereiro 15, 2005

Bar ruim é lindo, bicho

De Antonio Prata.
Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso freqüento bares meio ruins.
Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de 150 anos. (Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de150 anos, mas tudo bem).
No bar ruim que ando freqüentando nas últimas semanas o proletariado é o Betão, garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas acreditando resolver aí 500 anos de história.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar "amigos" do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.
"Ô Betão, traz mais uma pra gente", eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte do Brasil.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte do Brasil, por isso vamos a bares ruins, que tem mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gateau e não tem frango à passarinho ou carne de sol com macaxeira que são os pratos tradicionais de nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gateau do que de frango à passarinho, porque agente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.
A gente gosta do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim.
Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne de sol, a gente bate uma punheta ali mesmo.
Quando um de nós, meio intelectuais, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectual, meio de esquerda freqüenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim. Porque a gente acha que o bar ruim é autêntico e o bar bom não é, como eu já disse.
O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo freqüentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas.
Até que uma hora sai na Vejinha como ponto freqüentado por artistas, cineastas e universitários e nesse ponto a gente já se sente incomodado e quando chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual, nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e universitários, a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que freqüentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV.
Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevete e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico. E a gente abomina aVejinha, abomina mesmo, acima de tudo.
Os donos dos bares ruins que a gente freqüenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantém o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam em 50% o preço de tudo. Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato.
Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se fodem, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão brasileira, tão raiz.
Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda, noBrasil! Ainda mais porque a cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que agente gosta, os pobres estão todos de chinelo Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gateau pelos quatro cantos do globo.
Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda, como eu que, por questões ideológicas, preferem frango a passarinho e carne de sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca mas é como se diz lá no nordeste e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o nordeste é muito mais autêntico que o sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é mais assim CâmaraCascudo, saca?).
- Ô Betão, vê um cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?