quarta-feira, maio 10, 2006

A passista do agouro

Jorge Bastos Moreno

-- Mano véio, aqui você só não vai ver é boi voar! -- foi o que ouvi no primeiro
dia em que cheguei ao Congresso, como repórter, em 1976, do então deputado
paraibano Ernani Sátyro. Surdo, chamava todo mundo de "mano véio".
E eu vi muita coisa.

Vi o Congresso ser fechado em 1 977. Vi parlamentares arrancados da tribuna
pelas cassações da ditadura. Entre eles, Alencar Furtado, aquele que disse
que sua luta era para que não houvesse lares em prantos: "filhos órfãos de
pais vivos, ou mortos, talvez, quem sabe; órfãos do talvez ou do quem sabe";
viúvas de maridos mortos ou vivos, quem sabe, talvez; viúvas do quem sabe
ou do talvez?

Vi Ulysses Guimarães dizer: "Tenho ódio à ditadura; ódio e nojo".

Vi Tancredo chorar por JK.

Vi mães, viúvas e órfãos com cartazes de seus mortos e exilados clamarem
por anistia.

Vi o doido manso Teotônio Vilela se rebelar contra o regime.

Vi a eleição de Tancredo, vi a Constituinte.

Vi momentos de tristezas e alegrias.

Nas tristezas, ouvia o Hino Nacional cantado com vozes enlutadas, sempre
seguido nessas horas do coro "a luta continua". A alegria ecoava em palmas
e papel picados.

Mas nesta madrugada vi uma cena que nunca vou esquecer: a deputada Ângela
Guadagnin (PT-SP) dançando, sambando como passista do agouro ao ver que o
os votos apurados já davam pra salvar de cassação o deputado João Magno (PT-MG),
um dos mensaleiros da Câmara.

Nem os canhões, fuzis e metralhadoras que tentaram desmoralizar pela força
o Congresso superariam o escárnio da deputada. Longe do "Necrológio dos desiludidos
do amor", onde as amadas dançavam "um samba bravo, violento, sobre as tumbas
deles", a dança da deputada é o mais imoral dos emblemas da degradação da
política brasileira.

Talvez a perplexidade foi que impediu o presidente da Câmara, Aldo Rebelo,
de exigir o devido respeito da deputada em pleno velório da Casa.

Clique abaixo para ver "A passista do agouro"
http://www.youtube.com/results?search=%22angela+guadagnin%22&search_type=search_videos

O Zé me disse

Joaquim Ferreira dos Santos
21.11.2005

Borogodó pode ser isso que o Houaiss está dizendo na página 492 do dicionário, um atrativo pessoal irresistível que faz com que o sujeito seu proprietário fique sempre rodeado de mulheres - mas não só. Mulheres também têm, não é um patrimônio masculino. Houaiss, cabra macho, devia achar tão evidentes os borogodós delas, aqueles ós todos, estupefações físicas tão visíveis espalhadas pelos recantos redondos de seus mapas, que ele resolveu deixá-las fora de um quesito que é pura abstração. Houaiss sabia. Borogodó não é a cintura desenhada da Gisele Bündchen. Aquilo é a evidência real de Deus. Borogodó você cria, sugere, em si mesmo. Está no ar. É o algo mais. É o ó que falta na natureza física da pessoa, e ela provém com um jeito de corpo, um arrebol que se cria passando a mão nos cabelos ou sorrindo, boca fechada ao estilo das ostras, insinuando que lá dentro se esconde - quer ver? - uma pérola.

O borogodó pode estar na maneira de falar, numa felicidade sugerida no canto da boca, o atrativo irresistível que a menina-dos-olhos emprestou aos seus - e outras poesias não concretas. É o etéreo da personalidade. O jeito da Marília Gabriela pontuar suas frases com um “escuta só”. É o que não se desenha nem cabe na foto.

A primeira vez que eu ouvi a palavra “borogodó”, ela estava sendo dita pelo cara mais feio do mundo, o nordestino Zé Trindade. Ele conquistava todas as mulheres das chanchadas do Herbert Richers nos anos 50. Quando os galãs desprezados perguntavam como ele conseguia, Zé cofiava o bigodinho fino, uma coisa pavorosa, virava-se para a câmera e, olho no olho das platéias que em seguida uivariam de tanto rir, dizia que fazia sucesso com as boazudas por ter bo-ro-go-dó. Soletrava solenemente a palavra como se beijasse cada um de seus ós, no agradecimento sincero por ter entendido que ali estava a chave para a felicidade dos desvalidos da beleza física evidente. Talvez fosse o jeito engraçado dele chegar junto. A cara de pau. Não sei. Eu percebia, elas então nem se fala. Caíam de quatro, nem aí para os pudores moralistas da época. O feioso Zé Trindade tinha borogodó.

Eu li o livro de memórias de Danuza Leão, lançado semana passada, e quando ela narra o casamento com o compositor Antônio Maria, um dos seus três maridos, confessa: “Maria não correspondia a nenhuma das minhas fantasias em relação aos homens”. A princípio ele não podia ser o objeto de desejo de ninguém. Antônio Maria era feio, gordo, calçava sapato de padre antigo, ia à praia de tamanco português e sacola de feira — era, enfim, o oposto da elegante Danuza, mulher do mundo, maneca de Jacques Fath em Paris. Um Shrek antes do tempo. Danuza não diz desse jeito, porque tem um vocabulário fino, mas ela foi fisgada pelo borogodó de Maria. “Ele tinha uma personalidade exuberante”, relata.

A vida é muito mais fácil quando você não precisa de borogodó nenhum. Deus te deu um par de olhos incríveis como os da Ana Paula Arósio, músculos poderosos como os do Zulu. Basta você apresentar tais armas para que o mundo se ponha aos seus pés e queira compartilhar. Com Antônio Maria não era assim. Já que ninguém percebia, ele precisava - desculpem a expressão - botar o borogodó para fora.

Maria tinha um amigo, Luís Carlos Santos, que viria a ser ministro da Coordenação Política do governo Fernando Henrique Cardoso. Era um cara classicamente bonito, o nariz com o desenho certo, a boca com aquela polpa na medida para o sonho de uma mordida. Maria invejava-o com carinho, e dizia por quê: “O Luís Carlos come a mulher com a cara. Ele mostra a cara e elas topam imediatamente. Comigo é o contrário. Eu, para uma mulher se interessar por mim, preciso de três horas de conversa até ela esquecer da minha cara”.

As três horas de conversa eram o borogodó de Antônio Maria.

Desde que, no mês passado, lancei um livro com a tal palavra no título, não me param mais na Rio Branco para perguntar, ei, moço, como se chega no Beco dos Barbeiros. Nas festas ninguém chega, ei, cara, se eu tenho detalhes escandalosos da paixão mal resolvida - “um jornalista, e não sabe que rola?!” - nessa briga do Palocci com a Dilma. Nada disso. O povo nas ruas quer saber que diabo é esse tal de borogodó. Como se pratica, onde se perdeu, se foi culpa do JK ou mais uma rata do Lula, se tem a ver com a gororoba do murucututu ou se na loja que eu comprei tinha para homem.

Se o Houaiss não sabe direito, se o Zé Trindade que inventou a coisa já morreu, eu fico à vontade para professorar minha ignorância e dizer de antemão, de ante pé, na ante-sala de quem se dispõe a entreouvir. Borogodó pode ser mais do que um atrativo que alguém inventa ou sublinha para se tornar especial já que Deus, na hora de transformar o rascunho em arte-final, deixou o teu projeto para lá e foi caprichar no desenho do Gianecchini que ele não é bobo, também quer sair na capa da “Caras” nem que seja para ganhar aquele crédito pequenino na página 44: produção - Ele.

Borogodó, já que a língua é o uso que a gente faz dela, pode ser a própria felicidade de seu portador evocar, com uma sonoridade antiga, o tudo de bom de que falam as adolescentes modernas. É o “já é”, o “é nós” dos funkeiros. Pode ser a “utopia” dos sociólogos. Uma palavra que vem de um tempo de evidente satisfação nacional - JK tinha, Maria Ester Bueno mais que o Guga - e que agora se escondeu num momento em que a auto-estima do país, o humor do Rio, tudo anda lá embaixo.

A grande gincana cívica é procurar onde o charme, a esperança, a beleza, o it, o sonho, a alegria do Zé Trindade e aquele certo “quê” de ser brasileiro, onde tudo isso se meteu. Dar uma busca atrás do perdido. Abrir o acento agudo na cara da tristeza e não deixar que o país do borogodó vire uma nação borocoxô.

EU NÃO GOSTAVA DO PAPA JOÃO PAULO II

Escrevo enquanto vejo a morte do papa na TV. E me espanto com a imensa emoção mundial. Espanto-me também comigo mesmo: "Como eu estou sozinho!" - pensei.

Percebi que tinha de saber mais sobre mim, eu, sozinho, sem fé nenhuma, no meio deste oceano de pessoas rezando no Ocidente e Oriente. Meu pai, engenheiro e militar, me passou dois ensinamentos: ele era ateu e torcia pelo América Futebol Clube. Claro que segui seus passos. Fui América até os 12 anos, quando "virei casaca" para o Flamengo (mas até hoje tenho saudade da camisa vermelha, garibaldina, do time de João Cabral e Lamartine Babo), e parei de acreditar em Deus.

Sei que "de mortuis nihil nisi bonum" ("não se fala mal de morto"), mas devo confessar que nunca gostei desse papa. Por quê? Não sei. É que sempre achei, nos meus traumas juvenis, que papa era uma coisa meio inútil, pois só dava opiniões genéricas sobre a insânia do mundo, condenando a "maldade" e pedindo uma "paz" impossível, no meio da sujeira política.

Quando João Paulo entrou, eu era jovem e implicava com tudo. Eu achava vigarice aquele negócio de fingir que ele falava todas as línguas. Que papo era esse do papa? Lendo frases escritas em partituras fonéticas... Quando ele começou a beijar o chão dos países visitados, impliquei mais ainda. Que demagogia! - reinando na corte do Vaticano e bancando o humilde...

Um dia, o papa foi alvejado no meio da Praça de São Pedro, por aquele maluco islâmico, prenúncio dos tempos atuais. Eu tenho a teoria de que aquele tiro, aquela bala terrorista despertou-o para a realidade do mundo. E o papa sentiu no corpo a desgraça política do tempo. Acho que a bala mudou o papa. Mas, fiquei irritadíssimo quando ele, depois de curado, foi à prisão "perdoar" o cara que quis matá-lo. Não gostei de sua "infinita bondade" com um canalha boçal. Achei falso seu perdão que, na verdade, humilhava o terrorista babaca, como uma vingança doce.

E fui por aí, observando esse papa sem muita atenção. É tão fácil desprezar alguém, ideologicamente... Quando vi que ele era "reacionário" em questões como camisinha, pílula e contra os arroubos da Igreja da Libertação, aí não pensei mais nele... Tive apenas uma admiração passageira por sua adesão ao Solidariedade do Walesa, mas, como bom "materialista", desvalorizei o movimento polonês como "idealista", com um Walesa meio "pelego". E o tempo passou.

Depois da euforia inicial dos anos 90, vi que aquela esperança de entendimento político no mundo, capitaneado pelo Gorbachev, fracassaria. Entendi isso quando vi o papai Bush falando no Kremlin, humilhando o Gorba, considerando-se "vitorioso", prenunciando as nuvens negras de hoje com seu filhinho no poder. Senti que o sonho de entendimento socialismo-capitalismo ia ser apenas o triunfo triste dos neoconservadores. O mundo foi piorando e o papa viajando, beijando pés, cantando com Roberto Carlos no Rio. Uma vez, ele declarou: "A Igreja Católica não é uma democracia." Fiquei horrorizado naquela época liberalizante e não liguei mais para o papa "de direita".

Depois, o papa ficou doente, há dez anos. E eu olhava cruelmente seus tremores, sua corcova crescente e, sem compaixão nenhuma, pensava que o pontífice não queria "largar o osso" e ria, como um anti-Cristo.

Até que, nos últimos dias, João Paulo II chegou à janela do Vaticano, tentou falar... e num esgar dolorido, trágico, foi fotografado em close, com a boca aberta, desesperado.

Essa foto é um marco, um símbolo forte, quase como as torres caindo em NY. Parece um prenúncio do Juízo Final, um rosto do Apocalipse, a cara de nossa época. É aterrorizante ver o desespero do homem de Deus, do Infalível, do embaixador de Cristo. Naquele momento, Deus virou homem. E, subitamente, entendi alguma coisa maior que sempre me escapara: aquele rosto retorcido era o choro de uma criança, um rosto infantil em prantos! O papa tinha voltado ao seu nascimento e sua vida se fechava. Ali estava o menino pobre, ex-ator, ex-operário, ali estavam as vítimas da guerra, os atacados pelo terror, ali estava sua imensa solidão igual à nossa. Então, ele morreu. E ontem, vendo os milhões chorando pelo mundo, vendo a praça cheia, entendi de repente sua obra, sua imensa importância. Vendo a cobertura da Globo, montando sua vida inteira, seus milhões de quilômetros viajados, da África às favelas do Nordeste, entendi o papa. Emocionado, senti minha intensíssima solidão de ateu. Eu estava fora daquelas multidões imensas, eu não tinha nem a velha ideologia esfacelada, nem uma religião para crer, eu era um filho abandonado do racionalismo francês, eu era um órfão de pai e mãe. Aí, quem tremeu fui eu, com olhos cheios d'água. E vi que Karol Wojtyla, tachado superficialmente de "conservador", tinha sido muito mais que isso. Ele tinha batido em dois cravos: satisfez a reacionaríssima Cúria Romana implacável e cortesã e, além disso, botou o pé no mundo, fazendo o que italiano nenhum faria: rezar missa para negões na África e no Nordeste, levando seu corpo vivo como símbolo de uma espiritualidade perdida. O conjunto de sua obra foi muito além de ser contra ou a favor da camisinha. Papa não é para ficar discutindo questões episódicas. É muito mais que isso. Visitou o Chile de Pinochet e o Iraque de Saddam e, ao contrário de ser uma "adesão alienada", foi uma crítica muito mais alta, mostrando-se acima de sórdidas políticas seculares, levando consigo o Espírito, a idéia de Transcendência acima do mercantilismo e de ditaduras. E foi tão "moderno" que usou a "mídia" sim, muito bem, como Madonna ou Pelé.

E nisso, criticou a Cúria por tabela, pois nenhum cardeal sairia do conforto dos palácios para beijar pé de mendigo na América Latina. João Paulo cumpriu seu destino de filósofo acima do mundo, que tanto precisa de grandeza e solidariedade.

Sou ateu, sozinho, condenado a não ter fé, mas vi que se há alguma coisa de que precisamos hoje é de uma nova ética, de um pensamento transcendental, de uma espiritualidade perdida. João Paulo na verdade deu um show de bola.

Arnaldo Jabor

Se eu fosse ditador...

Ponto de vista: Claudio de Moura Castro
Se eu fosse ditador...

"O assunto pode ser visto de uma forma direta e simples, lembrando o ditado oriental 'Olho por olho, dente por dente' "

Tenho às vezes sonhos de virar ditador. Não um ditadorzinho qualquer, com medo de mandar e com poderes cerceados pelas forças ocultas. Mas um verdadeiro ditador, capaz de penetrar nas entranhas da sociedade e impor minha vontade. Segue uma lista de minhas primeiras providências, para quando se materializar meu sonho:

• Em solenidades oficiais, seria cobrada das autoridades uma taxa por minuto de discurso proferido. O tempo gasto nomeando as autoridades presentes seria cobrado em dobro. Só o primeiro minuto seria de graça.

• Os chefes teriam de entrar nas filas de sua repartição pública e ser atendidos por seus funcionários. Ou mandariam mãe e cônjuge em seu lugar. Os que exigem papéis inúteis teriam de ficar ajoelhados em grãos de milho.

• Autoridades educacionais teriam de matricular os filhos na escola sob sua responsabilidade. As de saúde teriam de se tratar na instituição que dirigem.

• Os reitores teriam de fazer os vestibulares de sua instituição, e os resultados seriam publicados nos jornais.

• O salário dos delegados de polícia seria ajustado de acordo com o número de crimes resolvidos e criminosos condenados. O da polícia federal, pelo tamanho das filas nos aeroportos. Quanto maior o tempo de espera, menor o salário.

• O salário dos funcionários públicos seria atrasado pela mesma medida do tempo de espera para despachar os processos. O mesmo se daria com os juízes.

• Todo presidente de empresa industrial teria de abrir a embalagem de seus produtos na frente das câmeras de TV. Por exemplo, mostrando como se abrem, sem melar as mãos, as geléias e as manteigas em caixinha.

• Igualmente, teriam de instalar os produtos que vendem e demonstrar como se usam os manuais de instrução, em particular os dos videocassetes.

• O valor da consulta médica ou odontológica seria reduzido proporcionalmente ao tempo de espera além da hora marcada. Os reincidentes seriam punidos com exercícios de caligrafia. Como compensação, a consulta seria mais cara quando o cliente se atrasasse.

• Os empresários da construção civil teriam de consertar pessoalmente as lajes que vazam, os encanamentos que infiltram e dormir em quartos de empregada que mais parecem armários.

• E haveria multa, cujo valor seria baseado no somatório do salário-hora de todos os que esperaram, para quem chegasse atrasado a reuniões.

• Os consertadores dos mais diversos aparelhos, impenitentes descumpridores de promessas, teriam transponders implantados no corpo e seriam rastreados por satélite.

• Os donos de hotel seriam chicoteados pela manhã se não respondessem a uma prova cujas respostas estariam em uma apostila com letra pequena, para ser lida à noite, nos quartos mal iluminados de seus hotéis.

Os exemplos estão no limite entre o sério e a brincadeira. O assunto pode ser visto de forma direta e simples, lembrando o ditado oriental "Olho por olho, dente por dente". Quem atrapalha merece ser atrapalhado.

Mas podemos teorizar com mais elegância. Em uma economia de mercado que funciona bem, os incentivos monetários premiam quem oferece bons serviços e penalizam ou multam quem atrapalha, atrasa ou deixa de prestar o serviço devido. No caso mais trivial, o produto ruim não vende. É essa "mão invisível" que lubrifica bilhões de relacionamentos e transações entre pessoas e empresas. Nos exemplos citados, a mão invisível não deu conta do recado. Os médicos não são punidos pelos atrasos. Não acontece nada quando a laje vaza. No caso do serviço público, as penalidades só existem para os clientes. Faz parte da arte de governar transformar em custo ou preço o prejuízo ou a inconveniência infligidos a outrem, penalizando ou atrapalhando quem atrapalha ou sonega serviços.

Pepe Figueres, depois de ter sido presidente da Costa Rica por duas vezes, candidatou-se a ditador nas eleições, com mandato fixo. Queixava-se de que na democracia não conseguiu eliminar a burocracia. Aguardo os votos de todos os cidadãos brasileiros para ser eleito ditador.

Revista Veja Edição 1871 . 15 de setembro de 2004

Promessas Matrimoniais(Mário Quintana)

Em maio de 98, escrevi um texto em que afirmava que achava bonito o ritual do casamento na igreja , com seus vestidos brancos e tapetes vermelhos , mas que a única coisa que me desagradava era o sermão do padre :

"Promete ser fiel na alegria e na tristeza , na saúde e na doença , amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?”

Acho simplista e um pouco fora da realidade .

Dou aqui novas sugestões de sermões :

Promete não deixar a paixão fazer de você uma pessoa controladora, e sim respeitar a individualidade do seu amado , lembrando sempre que ele não pertence a você e que está ao seu lado por livre e espontânea vontade ?

Promete saber ser amiga (o) e ser amante , sabendo exatamente quando devem entrar em cena uma e outra , sem que isso lhe transforme numa pessoa de dupla identidade ou numa pessoa menos romântica?

Promete fazer da passagem dos anos uma via de amadurecimento e não uma via de cobranças por sonhos idealizados que não chegaram a se concretizar ?

Promete sentir prazer de estar com a pessoa que você escolheu e ser feliz ao lado dela pelo simples fato de ela ser a pessoa que melhor conhece você e portanto a mais bem preparada para lhe ajudar , assim como você a ela ?

Promete se deixar conhecer ?

Promete que seguirá sendo uma pessoa gentil , carinhosa e educada, que não usará a rotina como desculpa para sua falta de humor ?

Promete que fará sexo sem pudores , que fará filhos por amor e por vontade , e não porque é o que esperam de você , e que os educará para serem independentes e bem informados sobre a realidade que os aguarda?

Promete que não falará mal da pessoa com quem casou só para arrancar risadas dos outros ?

Promete que a palavra liberdade seguirá tendo a mesma importância que sempre teve na sua vida , que você saberá responsabilizar-se por si mesmo sem ficar escravizado pelo outro e que saberá lidar com sua própria solidão , que casamento algum elimina?

Promete que será tão você mesmo quanto era minutos antes de entrar na igreja ?

Sendo assim , declaro-os muito mais que marido e mulher :

declaro-os maduros .

LENDAS SOBRE A ORIGEM DA MULHER

Existem várias lendas sobre a origem da Mulher.

Uma diz que Deus pôs o primeiro homem a dormir, inaugurando assim a anestesia geral, tirou uma de suas costelas e com ela fez a primeira mulher.

E que a primeira provação de Eva foi cuidar de Adão e agüentar o seu mau humor enquanto ele convalescia da operação.

Uma variante desta lenda diz que Deus, com seu prazo para a Criação estourado, fez o homem às pressas, pensando "Depois eu melhoro", e mais tarde, com o tempo, fez um homem mais bem-acabado, que chamou Mulher, que é "melhor" em aramaico.

Outra lenda diz que Deus fez a mulher primeiro, e caprichou nas suas formas, e aparou aqui e tirou dali, e com o que sobrou fez o homem só para não jogar barro fora.

Em certas tribos nômades do Meio Oriente ainda se acredita que a mulher foi originariamente, um camelo, que na ânsia de servir seu mestre de todas as maneiras foi se transformando até adquirir sua forma atual.

No Extremo Oriente existe a lenda de que as mulheres caem do céu, já de kimono.

E em certas partes do Ocidente persiste a crença de que mulher se compra através dos classificados, podendo-se escolher a idade, cor da pele e tipo de massagem.

Todas estas lendas, claro, têm pouco a ver com a verdade científica.

Hoje se sabe que o Homem é o produto de um processo evolutivo que começou com a primeira ameba a sair do mar primevo, e é descendente direto de uma linha específica de primatas, tendo passado por várias fases ate atingir o seu estágio atual - e aí encontrar a Mulher, que ninguém ainda sabe de onde veio.

É certamente ridículo pensar que as mulheres também descendem de macacos.

A minha mãe,não!
Mas de onde veio a primeira mulher?

Inclino-me para a tese da origem extraterrena. A mulher viria (isto é pura especulação, claro) de outro planeta.

Venho observando-as durante anos - inclusive casei com uma, para poder estudá-las mais de perto - e julgo ter colecionado provas irrefutáveis de que elas não são deste mundo. Observei que elas não têm os mesmos instintos que nós ,e volta e meia são surpreendidas em devaneio, como que captando ordens de outra galáxia, embora disfarcem e digam que só estavam pensando no jantar.

Têm uma lógica completamente diferente da nossa.

Ultimamente têm tentado dissimular sua peculiaridade, assumindo atitudes masculinas e fazendo coisas - como dirigir grandes empresas e xingar a mãe do motorista ao lado
- impensáveis há alguns anos, o que só aumenta a suspeita de que se trata de uma estratégia para camuflar nossas diferenças, que estavam começando a dar na vista.

Quando comentamos o fato, nos acusam de ser machistas, presos a preconceitos e incapazes de reconhecer seus direitos, ou então roçam a nossa nuca com o nariz, dizendo coisas como "ioink, ioink" que nos deixam arrepiados e sem argumentos.

Claramente combinaram isto. Estão sempre combinando maneiras novas de impedir que se descubra que são alienígenas e têm desígnios próprios para a nossa terra. É o que fazem quando vão, todas juntas, ao banheiro, sabendo que não podemos ir atrás para ouvir.

Muitas vezes, mesmo na nossa presença, falam uma linguagem incompreensível que só elas entendem, obviamente um código para transmitir instruções do Planeta Mãe.

E têm seus golpes baixos. Seus truques covardes. Seus olhos laser, claros ou profundamente escuros, suas bocas.

Algumas, meu Deus, até sardas no nariz. Seus seios, aqueles mísseis inteligentes. Aquela curva suave da coxa quando está chegando no quadril, e a Convenção de Genebra não vê isso!

E as armas químicas - perfumes, loções, cremes. São de uma civilização superior, o que podem nossos tacapes contra os seus exércitos de encantos?

Breve dominarão o mundo. Breve saberemos o que elas querem.

Se depois de sair este artigo eu for encontrado morto com sinais de ter sido carinhosamente asfixiado, com um sorriso, minha tese está certa."

(Luís Fernando Veríssimo)